sábado, 19 de março de 2011

Ops!



Para Antônio Baltazar, meu Tio Bill, e o PH*!

Hoje, surpreendentemente, acordei cedo, antes de meu marido, preparei o café para nós - algo que ele faz diaramente com devoção como uma oração -  e decidi caminhar. O sol já estava um pouco adiantado, mas nada que um protetor solar não resolvesse naquele momento. É, são as exigências desse tempo chamado de moderno há mais de 900 anos. Enfim: café da manhã tomado, alongamento realizado, vamos lá!
Antigamente, eu caminhava com uma única in - tensão, queimar calorias. É como se fosse uma febre de loucura que me cercava em todos os lugares, especialmente devido ao meu biotipo. Todos diziam, especial e principalmente minhas amigas magras: é preciso contar calorias, calcular o uso diário delas e queimá-las. Mas, para mim, essa tensão não funcionava, não se aplicava, só gerava uma fome ansiosa que gritava da boca do estômago: vinde a mim as calorias. Então, aceitei minha condição de fora do padrão, porque tentar me ajustar me parecia um erro pior e nada melhor do que a paz consigo mesmo.
Hoje caminho porque gosto e caminhar tem me revelado sensações que eu já não experimentava na correria do dia a dia. Primeiro, porque é um tempo para mim. Sinto que em mim existe um corpo e não apenas uma cabeça que tem que lidar com mil questões do dia a dia. Lembro da infância, da minha cecizinha azul e da sensação do vento no rosto. E, por um momento, fico em silêncio e o silêncio diz tanto. Observo a cidade ao longe, vejo as flores nascerem nas quaresmeiras, as crianças aprendendo a andar de bicleta com os pais do lado querendo protegê-los dos tombos, os pais velhinhos de tênis no passo tranquilo de quem já viveu, acompanhados pelos filhos com sapato e camisa social, mulheres atletas, mulheres idosas, mulheres gordinhas, mulheres como eu.
É um cenário diverso, em um lugar que talvez era para ser um bairro e não seria o ideal para um passeio sozinho, mas as pessoas o elegeram para caminhar, o que faz dele um lugar movimentado pelas manhãs e finais de tarde, com pessoas de vários lugares, diferentes história, cada um com seu motivo para estar ali.
Mas, escrevo aqui hoje, pois aconteceu um fato intrigante durante a caminhada.
Como já era tarde, havia poucas pessoas caminhando. Eu me encontrava perdida em meus pensamentos quando passou por mim um táxi. Esquisito. Um táxi num local em que as pessoas caminham? Lá não há casas, apenas uma empresa e o táxi passou direto por ela. Em tempos de noticias diárias de crimes, roubos, assaltos, latrocínios, sequestros e outros crimes que apontam para o declínio da humanidade, um táxi em um lugar deserto é estranho. Bom, pensei, talvez ele está levando alguém que não é dessa cidade para conhecer esse local, talvez esteja em seu momento de folga, talvez... há deve ter um motivo, não muito preocupante para que esse taxi passe por aqui, penso eu, não preciso ficar paranóica. Como o carro foi embora, tranquilizei-me.
Mas, um pouco mais a frente, quando olho, lá está o taxi parado e um homem saindo do mato. Gente! O que o suposto motorista do táxi estava fazendo lá? Olho para os lados, não estou sozinha, há outros caminhantes, então sigo em frente e vejo que o homem não está sozinho. Desce do carro uma senhora que abre o porta-mala. Hum, será que é a esposa? O que tem naquele porta mala? Ele também se dirige ao carro, abre uma das portas e pega uma enxada!!! Pra quê? Ele não está com cara que vai capinar o local para a prefeitura... O que um casal, as 10 da manhã, faz com uma enxada a beira do mato? Será que é uma enxada? Talvez seja uma vassoura e eu na minha paranóia e altomiopia estou imaginando coisas... Mas, se fosse uma vassoura, eles a usariam pra quê?
Na minha cabeça, procuro uma resposta plausível para o estranho em meio a muitas suposições. Estou chegando perto e ouço ele dizer a mulher que ia dar um jeito na terra. Terra? Mas, alí não me parece um terreno particular? E no mais, nínguem cuida da terra vestido para trabalhar em um taxi. Ele volta para o mato com a suposta enxada que vi.
Já sei! Eles vão enterrar alguma coisa, tipo um cachorro querido da família que faleceu e merece um enterro civilizado. Quando eu era criança, por duas vezes, meu pai fez isso quando morreu nossos cachorrinhos queridos. Essa era uma resposta plausível para aquela situação. No entanto, quando vejo, algo mais estranho pra mim: muitos cachorros saem do mato. Cachorros vira-latas, pequenos, grandes, pretos, castanhos, brancos, vários e cercam o carro. Nunca tinha visto uma reunião de caninos com tantos membros. Eu já estava pensando em mudar meu caminho, agora eu tinha um motivo maior, um aglutinado de cachorros em torno do casal que juntos pegaram algo do porta-mala... Ops! Era comida!!!! Eles estavam ali para alimentar cachorros abandonados, que faziam festa pra eles, como fariam para o seu dono. Curiosa, me aproximo. O homem volta para o mato, como se fosse para cuidar da casa dos cachorros. Pergunto a senhora o que acontece. Ela diz "meu marido não suporta vê esses bichinhos sofrendo e por isso vem aqui todos os dias alimentá-los, cuidar dos doentes e até quando é preciso cirurgia ele providencia o veterinário e eu venho aqui pra ajudar ele"
Ops! Depois do meu susto e de tantas suposições, acho graça de mim mesma e me emociono. Para onde caminha a humanidade? Cada um inventa seu modo de viver e nem sempre é para o declínio, como pensamos. Acho que vou parar de ver tanto jornal.

* PH é o cachorinho vira lata adotado pelo meu tio. Ele continua na rua, por falta de espaço na casa de Bill, mas é todos os dias alimentado e cuidado. E todos os dias ele espera meu tio, como um amigo fiel.

sábado, 12 de março de 2011

No Meu Desejo

  

***

No meu desejo,
as asas de borboleta eu queria,
para ver, para voar
para completar, para contemplar
algo maior do que eu
ao rasgar o céu com minhas cores

Não consegui.
As asas da borboleta foram me negadas
Deram-me um casco de tartaruga,
alegaram minha condição de incapaz.
A essa dor me conformei
sem deixar de desejar

Presa na areia, meus passos se atrasavam
na perseverança, um esforço gigantesco
para não negar a mim mesma
a cor da minha alma
Descubro-me pelo meu olhar
alcanço o mar

***

Escrito em 01.11.2008, enquanto descobria a lente subversiva da psicanálise através das aulas de S. Memento